A casa do trabalhador rural Paulo César Mendes deixou de existir há cinco anos. Foi levada por uma onda gigante de lama. Restaram a fundação e parte de uma pilastra da cozinha, hoje envolta num matagal que, ano após ano, parece querer encobrir a desolação. A casa nova de Paulo também não existe. Foi prometida pelos responsáveis pela lama que destruiu sua residência anterior e, meia década depois, ainda é um pequeno quadrado desenhado numa planta arquitetônica.
O episódio entrou para história como um dos maiores desastres ambientais do mundo. Dezenove pessoas morreram.
A barragem de Fundão pertencia à mineradora Samarco, que tem como acionistas as também mineradoras Vale e BHP Billiton, duas das maiores empresas mundiais do setor. Uma fundação criada depois da tragédia, batizada de Renova, à qual Paulo se refere como “Enrola”, e que tem à frente as próprias mineradoras, segundo o Ministério Público de Minas Gerais, é a encarregada de tocar o projeto de construção do Novo Bento Rodrigues. Desde 2016, quando os ex-moradores aprovaram a área para sua construção, a entrega das obras foi adiada por duas vezes.
Adiamentos
A data inicial, março de 2019, foi remarcada para agosto deste ano, e em seguida transferida para fevereiro do ano que vem. Mas um documento da Prefeitura de Mariana mostrado por Paulo César deixou-o mais apreensivo. No papel, a previsão máxima para início das obras em lote no Novo Bento Rodrigues é 9 de outubro de 2021, ou seja, o começo pode ocorrer oito meses após a já terceira data marcada para a entrega da casa. E o prazo máximo para término está previsto para outubro de 2024 – quase 9 anos depois da destruição das casas. Uma outra informação no documento deixou a família estarrecida. No campo “proprietário do imóvel” aparece Fundação Renova, e não o nome do atingido.
Paulo César, de 51 anos, morou em Bento Rodrigues por 30 anos. Desde o rompimento da barragem passou a morar em casa paga pelas mineradoras em Mariana. “Tem época em que fico sem comer por três dias”, diz. Há seis meses sua mulher teve um AVC e ficou com os movimentos comprometidos. A casa paga pelas mineradoras tem dois lances de escada, dificultando a saída da esposa para a rua. “Pedi para arrumarem outra, mas não foi resolvido”, lamenta o trabalhador rural. As mineradoras fornecem auxílio financeiro aos atingidos.
Revisitando Bento Rodrigues, anteontem, com a reportagem do Estadão, Paulo César foi desfiando as memórias. “Aqui era a casa do Geraldo Inácio”, diz apontando para alguns escombros. “O Bar da Sandra funcionava aqui” – e mirava o dedo para outras ruínas. “O truco era na praça, onde conversávamos todas as noites”.
Mais tarde, já nas proximidades do Novo Bento Rodrigues, ele apontava o local onde está prevista a construção de sua casa. “Aqui vai faltar o mais importante: alma”. A distância entre o novo distrito e o velho é de cerca de seis quilômetros.
Mas nem todos conseguiram esperar a nova casa. Dona Orides da Paixão de Souza vivia no distrito com uma filha, Gercina Juliana de Souza, de 62 anos, que em maio passado morreu de enfarte. O filho Antonio Fagundes, de 67 anos, morreu também este ano. “O que mais me faz falta é a vizinhança”, diz outra filha dela, Neusa, que morava em Bento Rodrigues com a família de oito pessoas. Todos estão agora em Mariana.
Geraldo, de quem falou Paulo César na terça-feira, às vezes pensa em desistir do Novo Bento Rodrigues. “É muito tempo de espera. Minha casa nem foi desenhada ainda.”
Reconstrução
Um relatório de cinco anos da tragédia, elaborado pelo Ministério Público estadual, aponta que em outubro de 2020 “está em andamento” a construção de cinco casas, escola, posto de serviços e posto de saúde. Ou seja, em relação a moradias, não há nada pronto. A igreja sequer está com o projeto aprovado. Postes de iluminação foram colocados e ruas foram asfaltadas. O site da Renova afirma que serão construídas 255 casas para 255 famílias.
Renova
m nota, a Fundação Renova afirmou que o prazo para a entrega das obras do Novo Bento Rodrigues “está sendo tratado no âmbito de uma Ação Civil Pública, tendo sido o juízo devidamente informado sobre os impactos da covid-19 no andamento das obras”. Sobre o documento da prefeitura de Mariana que a aponta como proprietária dos terrenos, a fundação afirmou que os lotes só podem ser transferidos para as famílias “após a baixa do loteamento na prefeitura”.
Segundo a Renova, é uma questão legal “que exige a finalização da construção da comunidade para que haja essa transferência de titularidade”. Ela afirma que “cada imóvel será transferido para o nome do responsável” assim que tiver aval da prefeitura. Em nota, a BHP destacou a complexidade da operação e as dificuldades com a pandemia.