Nesta quarta-feira (13) é comemorado o Dia Mundial do Rock. Na Paraíba, apesar de não ser considerado um dos mais populares, o estilo conta com uma legião de entusiastas que busca manter viva a tradição do gênero musical.
Através do resgate da cultura, fãs do rock resistem no estado e tentam manter acesa a chama de uma expressão cultural importada do continente norte-americano que marcou época nos anos 80 e 90, fincou raízes no Brasil, e perdura ainda hoje entre as novas gerações.
Na capital paraibana, pessoas de todos os gêneros começam a dividir espaços que por muito tempo foram ocupados apenas por homens. A adesão feminina à cena ainda enfrenta resistência.
Frequentadora assídua de loja de discos desde os 18 anos de idade, Gabriela Abrantes, arquiteta, hoje tem 41 e acompanhou de perto o crescimento do ritmo em João Pessoa e a contínua luta das mulheres para quebrar barreiras e ocupar espaços.
“É um ambiente de muita presença masculina e pouca feminina. Quando eu comecei a frequentar a cena eram pouquíssimas mulheres. Os homens ainda fazem o que a gente chama de ‘Enem do rock’, perguntas para testar se a gente conhece música, rock, metal, ainda existe isso. É estrutural. Tem melhorado a passos muito lentos. Uma hora a gente chega lá”.
Gabriela teve seus primeiros contatos com o rock ainda aos 13 anos. Na época, se reunia com amigos para ouvir discos, tradição que tenta manter até os dias atuais e que ela espera que seja adotada também pelas novas gerações.
“Eu vejo muito isso com a galera mais das antigas, que ainda tem essa tradição de se juntar com a turma e na tv mesmo rolar clipes antigos. Isso é meio cíclico. Minha filha já está pegando isso, filho de amigos meus também estão pegando. Alguns têm interesse em tocar instrumentos como guitarra, bateria, vai pegando essa influência dessas bandas que os pais gostam”, recordou com carinho os anos de ouro.
Um dos locais que mantêm viva essa tradição em João Pessoa e reúne entusiastas do ritmo dos quatro cantos da cidade é Oliver Discos, loja de proprietário de mesmo nome, um icônico fã de rock da capital paraibana. O empreendedor tem na música, além de seu sustento, um estilo de vida.
O estabelecimento, que fica no bairro de Manaíra, é um verdadeiro acervo musical que permeia os mais diversos gêneros, mas que tem no rock a sua raiz. Ao todo, são mais de 15 mil discos, entre CDs, Vinis, sem contar os DVDs e outros tipos de mídia. Para além do registro físico das músicas, o local também coleciona sentimentos e vínculos que foram formados ao longo de 35 anos de história – não necessariamente no mesmo prédio.
A modesta loja, de pouco mais de 50 metros quadrados, proporciona a quem entra uma verdadeira viagem no tempo e a experiência ainda viva do Rock N’ Roll. Com um som de metal tocando ao fundo, o próprio proprietário do estabelecimento, Oliver, atende pessoalmente seus clientes e os permite uma imersão de troca de conhecimentos sobre música. O seu trabalho, na verdade, é visto como uma diversão e um sonho de um adolescente roqueiro, que na infância não imaginava que reunir conhecidos para ouvir discos e falar do que ama seria uma profissão.
“Trabalhar na loja é um paraíso para quem gosta de música. Você tem a oportunidade de conhecer pessoas interessadas em cultura. 90% das pessoas que entram na nossa loja são diferentes. Nem melhores, nem piores, diferentes. Nossos clientes amam o físico, poder tocar no encarte, ter esse ritual diferente de escutar um LP ou CD. Tudo isso tem uma diferença muito grande entre o streaming, o virtual, para o físico. Eu não critico nenhuma das duas opções. Eu digo brincando que hoje em dia as pessoas perguntam se você gostou de um disco determinado e as pessoas tendem a responder que gostaram da terceira ou sexta música, nem o nome das músicas as pessoas sabem mais porque deixam no streaming rolando. Você não tem mais essa proximidade com o material físico, a ficha técnica”, analisou.
Em tempos da tecnologia e velocidade da informação, o negócio de Oliver precisou passar por transformações. As vendas, que antes eram feitas apenas através do contato físico presencial, agora são feitas também pela internet. O empresário utiliza de diversas plataformas online para comercializar discos por todo o Brasil e pretende expandir seus serviços para o exterior. Ele conta, no entanto, que boa parte da receita da loja, ainda é advinda do comércio presencial e que devido a particularidade do seu negócio, há uma grande rotatividade de entusiastas que preferem visitar o local.
“A gente vende pelo Correio, vamos chamar assim. De uns quatro anos para cá construímos nosso próprio site, vendemos na Amazon, no Mercado Livre, vamos ampliar ano que vem para vender no eBay e na Amazon dos Estados Unidos, México e Canadá. Já vendemos internacionalmente para alguns clientes. Por mais engraçado que pareça, ainda dá empate, nossa receita advém 50% da loja física e 50% da internet”, explicou.
Entre idas e vindas na loja, alguns clientes passaram a se tornar amigos e construir vínculos na loja de Óliver. Histórias de reencontros, amores, descobertas, primeiro contato com a música, são parte de um espaço zelado com muito carinho pelo proprietário, filhos e funcionários, que criaram uma relação com o lugar.
“A garotada de 12 e 13 anos geralmente não tem dinheiro para comprar, mas eles gostam de vir e eu acho isso o máximo, porque é algo que eles podem vir a gostar. Eu conheci pessoas aos 14 anos e que hoje, aos 35, são clientes fiéis da loja. Isso é muito bacana. Houve muita história. Teve um caso muito interessante de um cliente que estava folheando os discos e se deparou com um LP que tinha uma dedicatória do pai dele para a mãe dele. O engraçado é que ele disse que o pai e a mãe eram separados e ele nunca tinha visto uma demonstração de amor do pai pela mãe. Aquilo foi inédito para ele. Ele comprou aquele disco só por isso. Agora ele tinha a certeza que um dia o pai amou a mãe”, relatou.
Uma dessas pessoas que inicialmente era um cliente e que criou uma verdadeira relação de amizade com Óliver é Eduardo Jarry. Entre idas e vindas para o Brasil, o advogado de 50 anos, já perdeu as contas de quantas vezes foi ao local e de quantos discos adquiriu – mais de mil, ele garante. Foi no espaço, que inicialmente era um quarto, onde ele teve seus primeiros contatos com o rock e o metal e se apaixonou pelos gêneros. Eduardo hoje toca numa banda chamada Behaviour e acredita que, de fato, a música mudou sua vida.
“Ele me apresentou bandas que mudaram minha vida. Minha banda voltou (neste ano) após 30 anos e foi extremamente influenciada pela música que conheci pela indicação de Oliver. O quarto de Óliver, antes da loja, onde o pessoal chegava para gravar fita, trocar ideia, se conhecer, ali eu conheci grandes amigos que até hoje continuamos em contato. Se existe uma cena de rock pesado na Paraíba, o quarto de Óliver foi o começo de tudo aquilo. Para você ter ideia de um nível de influência que significou para todos nós. Eu morei 10 anos fora e agora eu voltei de vez, mas todas as vezes que eu vinha nunca deixava de chegar lá. Eu tenho uma boa coleção de cds eu não sei te dizer quantos eu comprei na loja de Oliver, mas com certeza foram mais de mil”, contou, em tom nostálgico.