MPF recomenda retirada do nome de general ligado à ditadura de unidade militar na Paraíba

A recomendação integra as ações da chamada Justiça de Transição, que busca reparar vítimas de regimes autoritários e reformar instituições envolvidas em abusos.

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Exército Brasileiro que retire o nome do general Aurélio de Lyra Tavares do 1º Grupamento de Engenharia, em João Pessoa (PB), por considerar que a homenagem fere os princípios democráticos e os compromissos do Estado com a memória, a verdade e a não repetição de violações de direitos humanos. A unidade militar é citada por comissões da verdade como local de repressão política durante a ditadura militar (1964–1985).

Além da retirada da homenagem, o MPF sugere a criação de um espaço de memória e informação no interior do quartel, com o objetivo de preservar a verdade histórica e promover a educação em direitos humanos. A recomendação integra as ações da chamada Justiça de Transição, que busca reparar vítimas de regimes autoritários e reformar instituições envolvidas em abusos.

Natural da Paraíba, Lyra Tavares (1905–1998) teve papel central na consolidação da ditadura. Comandou o IV Exército a partir de 1964, foi ministro do Exército entre 1967 e 1969 e integrou a junta militar que assumiu o poder após o afastamento do presidente Costa e Silva. Durante esse período, foi um dos responsáveis diretos pela promulgação do AI-5 e do AI-12, que intensificaram a repressão política no país.

O general também participou da elaboração do Decreto-Lei nº 898, a nova Lei de Segurança Nacional da época, que previa punições severas, como banimento, pena de morte e prisão perpétua para opositores do regime. Seu nome aparece vinculado a cadeias de comando ligadas a mortes e desaparecimentos forçados.

A recomendação do MPF também menciona o envolvimento de Lyra Tavares em ações de vigilância a exilados políticos brasileiros quando atuou como embaixador na França (1970–1974). A obra “Liberdade Vigiada” relata como o governo francês colaborava com o regime militar brasileiro, mesmo sabendo das sistemáticas violações de direitos humanos.

Apesar desse histórico, o 1º Grupamento de Engenharia passou a levar o nome de Lyra Tavares em 1999.

Relatórios da Comissão Estadual da Verdade da Paraíba e da Comissão Municipal da Verdade de João Pessoa apontam que o quartel sediou prisões políticas, interrogatórios, vigilância e repressão a opositores do regime. Entre os detidos esteve Elisabeth Teixeira, esposa de João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas assassinado em 1962 e personagem central do documentário “Cabra Marcado para Morrer”.

Documentos oficiais e depoimentos relatam que os presos denunciaram violência e tortura cometidas por agentes da Polícia Federal, sem que o comando militar da época tomasse providências. Para as comissões, ao negligenciar as denúncias, o quartel foi conivente com os abusos e integrou a estrutura repressiva.

A recomendação também retoma o conceito de “desmonumentalização” da ditadura, defendido por diversas comissões da verdade, que sugerem a renomeação de ruas, prédios e instituições que homenageiam autores de graves violações de direitos humanos. Um exemplo citado é a Avenida General Aurélio de Lyra Tavares, em João Pessoa, apontada como outro caso a ser revisto.

O MPF reforça que o Brasil tem obrigação legal, segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, de investigar, punir e reparar crimes cometidos durante a ditadura. A Corte já condenou o país em episódios como o da Guerrilha do Araguaia (2010) e o do jornalista Vladimir Herzog (2018), declarando que crimes como tortura e desaparecimento forçado são imprescritíveis.

Segundo o procurador da República José Godoy, responsável pela recomendação, esclarecer as violações de direitos humanos tem efeito transformador.Rompe com o silêncio e estabelece um marco claro de que o Estado brasileiro não tolera e não repetirá práticas autoritárias”, afirma. Para ele, o reconhecimento público das violações envia uma mensagem clara de que há consequências morais, sociais e jurídicas para quem atenta contra a dignidade humana.É assim que se constrói uma verdadeira cultura de responsabilidade”, conclui.

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