Cientistas da USP e da Unicamp estão desenvolvendo uma vacina por spray nasal contra a covid-19. A vacina traz diversas vantagens em relação ao método injetável, incluindo a atuação direta na mucosa nasal, que é uma das principais portas de entrada do novo coronavírus no organismo humano.
Dessa forma, a perspectiva é que aconteça a eliminação do vírus já no canal de entrada. A vacina está em fase de testes pré-clínicos, em camundongos, e segue para a etapa de escalonamento da produção, realizada na Unicamp.
O escalonamento da produção, conforme a professora Laura de Oliveira Nascimento, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp, que encabeça esse processo, é o momento em que se busca testar se a vacina, desenvolvida em escala laboratorial, pode ser produzida em maior escala, processo que é essencial para uma vacina que se pretende lançar comercialmente. “Existem hoje diversas formulações de vacinas eficazes publicadas e em escala laboratorial. Mas nós sabemos que o escalonamento nem sempre é viável e por esse motivo diversas vacinas não são comercializadas, por não serem escalonáveis”, elucida.
A concepção da vacina da USP e da Unicamp, diz Laura, desde o princípio, incorporou a preocupação com uma formulação que possa ser aplicável para a população. Para a pesquisadora, a experiência do líder da equipe, o professor da USP Marco Antonio Stephano, foi fundamental na concepção de produção industrial. “Desde o começo, ele e a equipe estão produzindo uma formulação que possa ser produzida de maneira rápida e em larga escala”, observa.
O desafio nessa fase do escalonamento, segundo a professora, é manter as características físico-químicas da vacina, que utiliza uma formulação baseada em polímeros nanoestruturados, ou seja, que têm uma faixa de tamanho específica em escala nanométrica. “Para que isso continue tanto em 10 ml, que é quando fazemos uma escala laboratorial para testar em camundongos, quanto em 10 litros, para que se possa manter as características físico-químicas dessa vacina é preciso estudar o escalonamento. E é isso que o time da Unicamp vai ajudar: fazer com que essa vacina possa ser produzida em maior quantidade, mantendo a qualidade que o professor Marco desenvolveu em escala laboratorial”, explica.
Tecnologias aplicadas e etapas de produção da vacina
O imunologista e professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, Marco Antonio Stephano, coordena a equipe responsável pela formulação da vacina e pontua os passos no desenvolvimento da vacina. A primeira etapa foi a produção do antígeno, que nesse caso é uma molécula proteica que estimula o sistema imune a combater o vírus. Após, acontece o escalonamento da produção dessa substância, para que seja possível desenvolver a vacina.
Para aumentar a entrega de antígenos da fórmula na mucosa, os pesquisadores utilizam a nanotecnologia. “Com a nanotecnologia nós conseguimos aumentar a concentração de antígenos associados as partículas carreadoras, pois quando você diminui o diâmetro de uma circunferência, você aumenta a proporção da área superficial em relação ao volume dessa partícula e o número de partículas com a mesma quantidade de polímero. Então você acaba aumentando a área superficial total que o antígeno pode se associar e ser exposto ao organismo”, afirma Marco Antonio.
Além disso, como o polímero (molécula que compõe o antígeno) utilizado é muco-aderente, ele fica por tempo suficiente nas mucosas nasais, fazendo com que as células o levem para o sistema imunológico e o estimulem a produzir dois tipos de anticorpos contra o novo coronavírus. “Essa propriedade muco-aderente do polímero faz com que ele fique duas ou três horas depositado na mucosa, o que é suficiente para que os macrófagos e as células especializadas capturem esses antígenos. Uma vez capturados, eles são processados, vão para o sistema imunológico e produzem dois tipos de anticorpo: o IgG, que fica na circulação sanguínea, e IgA secretora que fica sobre a mucosa”, explana.
Vantagens da vacina por spray nasal
Uma das vantagens da vacina por spray, quando comparada com as vacinas injetáveis, é justamente o fato de que elas estimulam também a produção da IgA secretora. Dessa maneira, protege-se assim o principal meio de entrada do vírus no corpo: as mucosas das vias aéreas. Conforme estudo recente relativo à produção de outra vacina por spray nasal, viu-se que por esse método elimina-se o RNA viral no nariz, o que não foi observado na vacina injetável.
Assim, apesar de ambas as vacinas desse estudo serem protetoras, segundo a professora Laura, a vacina por spray nasal teve a vantagem de eliminar completamente o vírus, e já na porta de entrada. “Foi demonstrada essa vantagem de proteger a pessoa na entrada viral, então você consegue ter imunidade na mucosa nasal, o que faz com que se impeça a entrada viral e uma possível residência por curto tempo do vírus, inibindo contaminação de outras pessoas”.
A pesquisadora também observa que a vacina por spray é mais fácil de ser aplicada, dispensando treinamento específico. Por não necessitar de agulha, também resolve possíveis problemas de fornecimento de material. “Já fizeram cálculos de que se todos tivessem que ser vacinados ao mesmo tempo, não teria agulha para fornecer para todos nós, então temos essa vantagem”, diz.
Ela ainda destaca o fato de ser uma vacina inovadora, viável economicamente e realizada com tecnologia 100% brasileira, reduzindo dependência de instituições de outros países. Por fim, observa Laura, muitas pessoas têm medo da aplicação injetável. Assim, na administração por via nasal, há mais adesão à vacinação.
Perspectivas para a vacina
Uma das principais preocupações no contexto da pandemia é a corrida para a disponibilização de uma vacina. No caso da vacina por spray nasal, os professores explicam que os ensaios pré-clínicos, aqueles realizados com animais, devem ser repetidos em outubro. A perspectiva é que até o final de novembro os resultados sejam submetidos ao Comitê de Ética em Pesquisa, para que então sejam aprovados os testes clínicos em humanos e estes sejam iniciados em janeiro ou fevereiro.
Com os resultados clínicos, cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinar se a vacina tem qualidade e se laboratórios tem condições técnicas de formular e fazer. “Isso acontece para qualquer vacina, seja as que estão chegando em estágio 3, seja a nossa que está sendo desenvolvida. A Anvisa é o órgão que protege o consumidor, não a indústria nem a universidade, então é muito importante ter essa segurança”, lembra Marco Antonio.
Após os testes em humanos, a ideia é que a tecnologia seja apoiada por uma empresa com capacidade de produção em larga escala. Para isso, o grupo estuda os parâmetros críticos de produção. “Queremos que a empresa possa realmente produzir e esse trabalho não simplesmente virar mais um artigo, como temos muitos artigos sobre vacina, que são importantes para ter embasamento científico, mas que não viram um produto que pode ajudar a população”, avalia o pesquisador.
Apesar das perspectivas, eles salientam que dependem de uma série de fatores e principalmente de como será a resposta imunológica dos testes em animais. “Tudo depende dos testes. Se os testes rapidamente nos derem uma resposta positiva, o cronograma será facilmente seguido”, frisa a professora Laura.