Apesar das recentes decisões do Estado de São Paulo em favor da volta às aulas presenciais em 2021, a rede particular ainda começa o novo ano mais ou menos como terminou 2020. Não se sabe qual poderá ser a organização das aulas, quantos alunos serão autorizados nas salas, quanto tempo o remoto ainda será necessário. Mas o certo é que as escolas retornam em fevereiro utilizando o tão falado ensino híbrido e, para isso, incluem até computador na lista de materiais de crianças de 6 anos.
“Não voltaremos a ser a escola de 2019”, diz a diretora pedagógica da Escola da Vila, Fernanda Flores. “Apesar das muitas perdas, a gente aprendeu a olhar com menos tensão para o trabalho virtual, mudamos para um projeto interdisciplinar, misturamos turmas e professores.”
A escola ouviu alunos, pais e docentes para avaliar as medidas da instituição durante a pandemia. Resolveu dar prioridade no presencial à educação infantil, permitindo que as crianças pequenas consigam ir todos os dias à escola em detrimento de outras séries, que devem frequentá-la duas ou três vezes por semana. “É a faixa etária que menos sustenta a atenção na tela e foi mais prejudicada”, afirma Fernanda. Para os mais velhos, haverá alguma interação entre os que estão na escola e os que ficam em casa, mas os grupos se separam para atividades distintas.
Muitos colégios, como o Pentágono, optaram pelas aulas ao vivo, aquelas mediadas pela tecnologia, com a professora na escola e estudantes presencialmente e em casa ao mesmo tempo. “Equipamos as salas para que isso acontecesse com a melhor qualidade”, diz a diretora pedagógica Patrícia Martins Nogueira. Há câmeras e telões para facilitar o contato. O modelo já foi testado este ano na unidade de Alphaville da escola, que fica em Barueri, onde havia menos restrições na educação do que na capital.
A diretora do Colégio Bandeirantes, Mayra Lora, no entanto, é contra a transmissão de aulas para quem está em casa. “O coitado do professor não sabe se deve se preocupar em projetar na tela, cuidar dos alunos presenciais ou dos que estão em casa.” Na escola, a ideia para 2021 é deixar estudante com flexibilidade e autonomia para trabalhar em casa os conteúdos a distância. E quem estiver presencialmente no Bandeirantes terá atividades com o professor.
Distanciamento
Segundo estimativa do sindicato das escolas particulares no Estado (Sieeesp), 100% das escolas estão prontas para voltar ao ensino presencial no ano que vem. “Quem não abrir vai quebrar”, afirma o presidente da entidade, Benjamim Ribeiro da Silva.
Ele diz apoiar a decisão recente do governo estadual de exigir a volta obrigatória tanto das escolas quanto dos alunos, segundo afirmou ao Estadão o secretário de Educação, Rossieli Soares. Segundo ele, em janeiro, o Conselho Estadual de Educação (CEE) deve editar uma resolução sobre o assunto.
Mas, mesmo que os alunos sejam obrigados a voltar, eles não devem ir todos ao mesmo tempo e todos os dias da semana porque os protocolos exigem distanciamento e, em geral, não há espaço suficiente nas escolas. Por isso, o ensino híbrido acabará sendo necessário.
Com essa perspectiva, o Colégio Porto Seguro incluiu para 2021 um computador na lista de materiais dos alunos desde o ensino fundamental 1, que começa aos 6 anos. “Espero que as aulas não sejam só online, estamos prontos para voltar até com 80% dos alunos por dia em algumas séries, mas atividades complementarem podem ser feitas remotamente”, diz a diretora Silmara Casadei. Além disso, a partir do 6.º ano os alunos passarão a não usar mais livros impressos, apenas digitais.
No Colégio Santa Cruz, o computador começou a ser pedido para crianças a partir do 3.º ano, com 8 anos. Mas, segundo comunicado da escolas aos pais, “para essa faixa etária será necessário o apoio para o uso consciente e cuidadoso dos recursos digitais”.
“O maior desafio agora vai ser o equilíbrio,” diz a diretora pedagógica do Colégio Oswald de Andrade, Andrea Andreucci, que percebeu “um esgotamento físico e emocional dos alunos em relação a aula remota”. Os professores da escola vão passar por formação em janeiro sobre boas práticas de ensino híbrido.
A estudante Mel Perez, de 14 anos, lamenta não ter tido sua formatura do 9.º ano e já desembarcar em 2021 no ensino médio. Sua escola, o São Domingos, não voltou presencialmente em 2020 nem para atividades extracurriculares. E ela ainda está insegura sobre como será no ano que vem – apesar de o colégio ter informado que haverá ensino híbrido – porque vive com os avós de mais de 80 anos.
“Mesmo se a escola não for exatamente do jeito que eu gostaria e com medo pelos meus avós, quero muito voltar”, diz. Mel conta que sente falta dos colegas e das aulas de teatro e música, que não tiveram a mesma graça pelo computador. “Estou cansada de ficar o dia todo na tela, tem aulas que perdem muito sem olhar no olho do professor.”
Na parte presencial, as escolas se programam para investir no que foi mais prejudicado com a educação remota. Como a alfabetização, as atividades práticas, de laboratório, físicas ou de artes e até os passeios culturais. A Escola Viva aumentou a quantidade de dias que os alunos ficam em período integral em 2021. “Queremos favorecer mais tempo na escola, com laboratórios maker, oficinas de leitura e escrita, investir em áreas do corpo, artes”, diz a diretora Camilla Schiavo. O Pentágono vai fortalecer o treino motor na alfabetização para a letra cursiva, que não pode acontecer online.
Apesar de todos os problemas, diretores conseguem ver um lado bom de 2020. “Antes tinha a fronteira, aqui é escola, aqui é família, este ano tivemos que nos unir para dar certo”, diz Andrea, do Oswald.
Prefeitura
Apesar de ter sido mais restritiva que o Estado em 2020, o Estadão apurou que a Prefeitura de São Paulo deve também permitir a volta presencial em fevereiro de 2021. Neste ano, o governo estadual autorizou o retorno em setembro, mas a gestão Bruno Covas só deu aval em outubro e apenas com atividades extracurriculares. A porcentagem de alunos que poderia ir para a escola por dia também foi mais reduzida. O Estado permitia 35%, mas a Prefeitura diminuiu para 20%. As aulas regulares só foram autorizadas para os estudantes de ensino médio e em novembro.
Segundo fontes, a Prefeitura pode ter sido influenciada por movimentos recentes de valorização da volta – de pediatras e pais -, além do exemplo da Europa, que manteve as escolas abertas na pior fase da pandemia. Eles argumentam que as evidências científicas mostram que há baixa transmissão em colégios.
Ensino presencial
Mesmo após o fim da pandemia do novo coronavírus, quatro em cada 10 professores do País acreditam que as escolas vão manter o ensino híbrido. A percepção veio da terceira fase de pesquisa realizada pelo Instituto Península com docentes da rede pública e particular, que está sendo feita desde o início do ano.
Segundo o levantamento, 54% acham que as escolas voltarão ao ensino presencial e 44% apostam no híbrido. Outros 2% acreditam em uma educação apenas remota depois da crise provocada pelo coronavírus.
De acordo com a diretora executiva do Instituto Península, Heloisa Morel, para que o ensino híbrido pudesse ocorrer de maneira eficaz seria preciso investimento em políticas públicas para inclusão digital, novas ferramentas e metodologias. A grande preocupação, para ela, é a desigualdade.
Enquanto escolas particulares de elite investiram em aprimorar a tecnologia para o ensino durante a pandemia, com aulas online, o resultado não foi o mesmo nas redes públicas. Muitos Estados e municípios até criaram formas de ensino remoto, mas nem todos os alunos têm internet rápida para poder acompanhar.
“Muitos aqui nem têm TV em casa. A dificuldade é em tudo”, diz Juliana Zavagli, diretora da Escola Estadual Professor João Batista Gasparin, na periferia de São Carlos, interior de São Paulo. Por isso, ela se esforçou para abrir a escola quando o Estado autorizou, em setembro, e começou a dar reforço aos alunos que nada tinham aprendido em casa até então.
Mesmo assim, apenas cerca de 60 dos 349 alunos de ensino fundamental e médio voltaram. “Fomos atrás deles nas casas, conversamos com os pais, conseguimos transporte para trazê-los para a escola, mas muitos ainda têm muito medo.”
A escola estadual foi uma das cerca de 1.800 que abriram este ano. Isso representa 36% das 5 mil que existem atualmente no Estado. Entre as municipais da capital, o número foi mais baixo ainda, não chegando a 2% (só 46 escolas e creches abriram, dentre 4 mil)
Uma delas foi o Centro Municipal de Educação Infantil (CEI) Novo Ipê, na região do Campo Limpo. Segundo a diretora Sonia Silva, apenas 17 de quase 400 bebês e crianças voltaram para as atividades presenciais. “Vieram só os mais velhos, de 4 anos, que estavam com saudades”, conta a diretora. Mesmo assim, ela avalia a experiência como positiva porque pode treinar para o que deve ocorrer em 2021. “Já aprendemos a lidar com os protocolos, estamos confiantes para abrir ano que vem.”
Além do medo dos pais, a pesquisa do Instituto Península mostrou que mais de 60% dos professores da rede pública não confiam na escola para se adaptar aos requisitos de segurança. Entre as particulares, o índice é de 40%. E 65% do total acham que a escolas devem permanecer fechadas durante a pandemia.
No entanto, o mesmo levantamento mostra que 60% deles acham que seus alunos não evoluíram nesse período. E o mesmo índice também reconhece o impacto negativo principalmente entre os alunos mais pobres das escolas fechadas.
Fase vermelha
Segundo o secretário de Educação, Rossieli Soares, disse ao Estadão, os professores da rede serão convocados a retornar em 2021. Neste mês, o Estado autorizou que as escolas abram até durante a fase vermelha, a mais restritiva do plano de flexibilização, com 35% dos alunos presencialmente por dia. Isso quer dizer que, mesmo com a piora da pandemia, elas poderiam ter aulas presenciais em fevereiro. Se estiver na amarela seriam 70% e na verde, 100%. As escolas precisam ainda esperar a decisão das prefeituras, que podem ser mais restritivas, como já ocorreu em 2020.