Mulher em Cabul. “Terei de queimar os últimos 24 anos da minha vida”

Milhares de afegãos, em Cabul, tentam fugir do país e muitos dirigiram-se para o aeroporto internacional onde a situação é caótica

Aentrada das forças talibãs em Cabul, no domingo, tem implicações para todo o país, mas há uma faixa da população que fica particularmente vulnerável: as mulheres e as meninas, que, assim como aconteceu na primeira ocupação do movimento radical, serão colocadas estritamente ao serviço da família (do homem) e impedidas de ter acesso à educação.

Uma residente em Cabul, estudante, escreveu um artigo para o The Guardian, onde descreveu os acontecimentos de domingo, flagrada de surpresa à ida para a faculdade. Foi avisada para fugir, porque os talibãs estavam já na cidade e iriam bater nas mulheres que estivessem sem burca (cobertura facial).

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“Queríamos ir para casa, mas não podíamos usar os transportes públicos. Os motoristas não nos deixavam entrar nos carros, porque não queriam a responsabilidade de transportar uma mulher”, explicou a senhora, que não foi identificada.

Enquanto tentava fugir, alguns homens riam do desespero das mulheres: “Corre e põe o chadari [burca]”; “São os vossos últimos dias nas ruas”; “Um dia, ainda me caso com quatro de vocês”.

 

A mulher replica, também, as palavras da irmã, que trabalhava num escritório. “Desliguei o computador com o qual ajudei o meu povo e comunidade durante quatro anos com muita dor. Deixei a mesa com lágrimas nos olhos e disse adeus às minhas colegas. Percebi que foi o último dia no meu trabalho”.

Com “dois cursos a ser tirados em simultâneo nas duas melhores universidades do Afeganistão”, a mulher indica que naquele domingo acabou tudo. “Trabalhei dia e noite para me tornar na pessoa que sou hoje, e esta manhã, quando cheguei em casa, a primeira coisa que eu e as minhas irmãs fizemos foi esconder os nossas carteiras de identidade, diplomas e certificados. Foi devastador”.

“Agora, terei de queimar tudo o que consegui nos últimos 24 anos da minha vida. Ter carteira de identidade ou prêmios da universidade americana é arriscado, agora”, disse, acrescentando que já não existem empregos para mulheres no Afeganistão.

“Nunca esperei que ficássemos privadas dos nossos direitos básicos de novo e que regredíssemos 20 anos”, escreveu.

Recorde-se que, no domingo, depois de o presidente Ashraf Ghani ter abandonado o Afeganistão, os talibãs entraram em Cabul e colocaram fim a uma campanha militar de duas décadas em que os Estados Unidos e aliados, incluindo Portugal, tentaram transformar o país, sem êxito. As forças de segurança afegãs, treinadas pelos militares estrangeiros, colapsaram.

Milhares de afegãos, em Cabul, tentam fugir do país e muitos dirigiram-se para o aeroporto internacional onde a situação é caótica.

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