O apetite da ala política do governo por medidas de apelo popular em ano eleitoral será um desafio para a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), que começa 2022 sob a pressão de uma bomba fiscal que pode passar dos R$ 230 bilhões.
A equipe de Guedes ainda negocia desoneração localizada apenas no diesel, ao custo de R$ 17 bilhões. Mas permanece a pressão pelo avanço em paralelo de outras propostas relacionadas, como a instituição de subsídios para conter tarifas de ônibus urbano.
Além disso, a coleção de bombas a serem desarmadas no Congresso Nacional neste ano não se resume ao tema dos combustíveis. Com a retomada dos trabalhos legislativos, parlamentares voltaram à carga com projetos que aliviam dívidas de grandes empresas, ampliam isenções tributárias ou elevam gastos do governo.
Uma maior expansão fiscal, por meio de gastos ou renúncias de receitas, é considerada tendência natural no último ano de um governo e também foi observada em gestões anteriores.
No entanto, especialistas avaliam que a segunda colocação do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas pesquisas de intenção de voto adiciona pressão para que o Palácio do Planalto seja mais conivente com os pedidos.
Segundo a última pesquisa do Datafolha, Bolsonaro está atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida presidencial.
Um dos projetos de maior risco para a equipe econômica é o que autoriza uma ampla renegociação de dívidas tributárias de médias e grandes empresas.
O texto do Refis aprovado no Senado centrava os maiores benefícios em companhias que enfrentaram dificuldades devido à Covid-19. No fim de 2021, a Câmara dos Deputados estendeu o alcance do programa até mesmo a empresas que lucraram mais na pandemia.
Cálculos do governo apontam uma perda potencial de R$ 92,1 bilhões só em 2022, caso o programa seja aprovado no formato previsto pela Câmara. O texto prevê descontos de até 90% em juros e multas e 100% em encargos, além da possibilidade de abater grandes volumes de crédito de prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).
O tamanho da fatura levou a equipe econômica a agir. No final de 2021, governistas conseguiram retirar o projeto de pauta.
Sob pressão de grandes empresas e de congressistas, a proposta deve ganhar força novamente. Há negociações em curso para que o texto entre na pauta das próximas sessões.
O relator, deputado André Fufuca (PP-MA), recém-empossado líder da legenda na Câmara, disse à reportagem que vai conversar com lideranças a respeito do projeto na próxima semana. Ele evitou responder se fará mudanças no texto.
No Senado, uma das pressões no radar do governo é a correção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física). O senador Angelo Coronel (PSD-BA), que era relator da reforma do IR já aprovada na Câmara, desmembrou o tema da tabela e apresentou um projeto avulso.
A proposta do congressista é elevar a faixa de isenção a R$ 3.300 mensais, o que custaria cerca de R$ 35 bilhões. Hoje, a isenção vai até R$ 1.903,98.
“Já que não vamos atender os R$ 5.000 que o presidente na campanha alardeou, pelo menos um meio-termo, corrigindo pela inflação”, argumenta Coronel.
Segundo o parlamentar, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já sinalizou no colégio de líderes que pretende marcar uma semana de votação de matérias tributárias, com datas a serem definidas. A tentativa de Coronel será incluir o projeto da tabela do IRPF na pauta.
Há ainda um projeto de lei, relatado pelo líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), que busca instituir um repasse federal para bancar a gratuidade de idosos nos ônibus urbanos.
Uma proposta semelhante chegou a ser incluída na PEC kamikaze, que recebeu a assinatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do presidente. Mas o avanço da PEC está sendo combatido pela equipe econômica.
Na última quarta (9), Pacheco decidiu enviar o projeto de lei avulso sobre o subsídio aos ônibus diretamente ao plenário da Casa, sem passar por nenhuma comissão. O custo pode chegar a R$ 5 bilhões.
O próprio governo também já deu sinal verde à derrubada de um veto de Bolsonaro para isentar empresas do setor de turismo e eventos do pagamento de tributos durante cinco anos. O restabelecimento da benesse deve gerar uma renúncia de R$ 3,2 bilhões apenas em 2022.
O aval à derrubada foi anunciado publicamente por Flávio Bolsonaro em suas redes sociais. A apreciação do veto pode ocorrer na próxima quarta (16).
Outro veto que deve cair permitirá às empresas do Simples Nacional renegociar suas dívidas, com impacto de cerca de R$ 1,7 bilhão para os cofres federais.
Grande parte das investidas mira as receitas do governo –uma estratégia para evitar esbarrar no teto de gastos, regra fiscal prevista na Constituição e que limita as despesas, mas não disciplina as receitas do governo.
A equipe econômica, porém, vê os movimentos com bastante preocupação, pois precisa respeitar a meta fiscal, que autoriza um déficit de até R$ 170,5 bilhões neste ano. A previsão atual do governo aponta um rombo de R$ 79,3 bilhões, projeção que deve piorar caso haja corte de tributos sobre o diesel.
Guedes ainda quer reduzir o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o que também impacta a receita.
Há ainda pressão pelo lado das despesas. O time do ministro da Economia segue em alerta para o risco de a concessão de reajustes para policiais acabar deflagrando uma pressão generalizada por aumentos ao funcionalismo.
Para o pesquisador Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral, o enfraquecimento da posição de Guedes e a segunda posição de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de voto tornam o presidente mais suscetível às pressões em ano eleitoral.
“Em um ano de tentativa de reeleição, isso nunca aconteceu, o presidente não estar liderando as pesquisas. Gera incentivo extra para que ele [Bolsonaro] libere mais dinheiro para tentar fazer a economia crescer, deixar o eleitor mais feliz”, analisa o pesquisador.
Segundo Carazza, a possibilidade de vitória de Lula também tende a fortalecer candidatos de sua coalizão para cargos no Legislativo, o que pode levar atuais aliados de Bolsonaro a buscarem mais recursos para suas bases. “Para segurar traições, o governo tem cedido a essas pressões”, afirma.
O cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, avalia que o governo enfrenta dificuldades para gerar no eleitor uma sensação de confiança e ganho de bem-estar, apesar de iniciativas recentes, como a ampliação do Auxílio Brasil –sucessor do Bolsa Família, marca das gestões petistas.
“A fonte dessa incapacidade tem a ver com a falta de coordenação política. É como se houvesse dois governos, com uma equipe econômica cada vez mais isolada em relação ao projeto de reeleição”, afirma. Para o especialista, há também falta de coordenação entre Câmara e Senado.
“Curiosamente, essa falta de coordenação pode ajudar no sentido de evitar um mal maior”, diz Cortez, citando o exemplo da PEC dos Combustíveis, que perdeu força dando lugar a um projeto para desonerar apenas o diesel. “No fundo, como a gente vive uma governabilidade perversa, quando um item é aprovado ele adiciona risco, não tira.”