A mãe da artesã Silvana Pilipenko, paraibana que estava desaparecida na Ucrânia, falou nesta quarta-feira (30) sobre a conversa que teve com a filha quando conseguiu estabelecer o primeiro contato depois de 26 dias. Silvana chegou na Crimeia, região anexada à Rússia em 2014, com o marido e a sogra, carregou o celular e entrou em contato com a família por volta de meia noite desta quarta. “Ela disse que escondeu muito o celular [durante a viagem] para poder chegar com o celular e dar notícia”, conta Antônia Vicente, mãe de Silvana.
Silvana relatou para a mãe que durante a viagem de Mariupol para a Crimeia ficou bastante cansada. Além disso, a sogra estava doente e no percurso havia muitas barreiras. Portanto, o carro fez várias paradas, inclusive, para ser revistado. “Tiravam até os tapetes e abriam as mochilas”, conta Antônia Vicente sobre relato da filha.
Antônia Vicente, mãe de Silvana Pilipenko, paraibana que estava na Ucrânia — Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
Silvana foi localizada pelo filho dela, Gabriel Pilipenko, no apartamento onde ela mora, na cidade de Mariupol, na terça-feira (29). Ele ligou rapidamente para a família, no Brasil, e informou que todos estavam indo para a casa de familiares do pai dele, Vasyl Pilipenko, na Crimeia.
Na Crimeia, fez a primeira ligação. “Eu fiquei muito feliz e, ao mesmo tempo, fiquei um pouco nervosa porque ela falou comigo chorando, dizendo que estava pedindo a Deus para não morrer, porque eu já tinha perdido um filho e não sabia se eu ia aguentar suportar mais essa dor de ela morrer também”, revela Antônia.
Silvana Vicente e Vasyl Pilipenko em foto antiga — Foto: Arquivo Pessoal
Quem atendeu a ligação foi Mere Vicente, irmã de Silvana. “Quando o telefone tocou, eu já sabia que era ela. O telefone quase caia, eu botei para tremer, para chorar, e ela chorava também”, disse Mere Vicente, que mora em João Pessoa, em entrevista à CBN Paraíba.
Para Mere, Silvana relatou que para sobreviver, pegava água em um rio próximo a casa dela, mas contou que a comida já estava ficando bem escassa e que estavam racionando os alimentos. Também sentiu muito frio durante esse tempo, porque o prédio em que estava foi bombardeado e, por isso, as janelas estavam quebradas e abertas.
“A gente ficou bem preocupado, mas não tínhamos certeza qual o andar dela. O prédio tem cinco andares, mas é bem extenso. Tentamos ver por satélite, mas a imagem era muito ruim. Então estávamos preocupados, porque não tínhamos certeza se ela estava”, conta Mere.
“Eu não sei a data exata [que eles chegaram na Crimeia] por causa da diferença de horário, mas eles chegaram lá de 4h [Horário da Ucrânia]. Ela conseguiu tirar o celular de lá e botou para carregar na Crimeia, quando ela ligou para mim era meia noite aqui”, disse Mere.
Para a mãe, não havia dúvidas de que a filha estava bem. “Meu coração sempre dizia que não tinha acontecido nada de mau com ela, que ela estava sã, perfeita, do jeito que ela saiu daqui”, desabafa Antônia Vicente.
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Volta ao Brasil
Silvana Pilipenko vive na Ucrânia desde 1995 — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Segundo Mere, Silvana deve voltar para o Brasil em cerca de uma semana. “Só vai voltar ela, porque a sogra não quer vir, não aguenta a viagem, e Vasyl vai ficar cuidando da mãe”, explicou.
O filho da paraibana contou que o Itamaraty está ajudando em todo o processo. O Itamaraty informou através de sua assessoria de imprensa que está em contato com a brasileira e com seus familiares diretos, por meio do escritório de apoio em Lviv. Disse ainda que a Embaixada do Brasil em Moscou realizou gestões junto ao governo russo para que a brasileira e seus acompanhantes ucranianos tenham saída facilitada da zona de conflito.
Além disso, o Itamaraty afirma que já está ultimando os preparativos para a eventual repatriação ao Brasil.
“Os pormenores de tal operação serão decididos proximamente em conjunto com a cidadã e sua família”, informa.
“É como se a ficha ainda não tivesse caído […] Eu estou falando com ela, mas eu tenho que ver, pegar nela, abraçar, para acreditar, completa Mere.
Mere Vicente e Silvana Pilipenko, em Odessa, na Ucrânia, em 2015 — Foto: Reprodução/Facebook/Mere Vicente
Entenda a situação da Crimeia
A Crimeia, localizada no sul ucraniano, foi anexada pela Rússia em 2014. No local fica a maior base naval do país no Mar Negro.
A invasão da Rússia na Crimeia foi feita aos poucos. Quando o ex-presidente da Ucrânia, o líder pró-russo Viktor Yanukovych, foi deposto após uma série de protestos, o povo ucraniano estava dividido entre aqueles que queriam uma maior integração com a Rússia e aqueles que apoiavam uma aliança com a União Europeia. E Moscou decidiu intervir.
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Em fevereiro de 2014, o presidente russo estava enviando discretamente tropas adicionais para as bases que a Rússia tinha na Crimeia, graças ao Tratado de Partição de 1997.
O primeiro sinal de que a Crimeia estava sendo retirada da Ucrânia aconteceu quando a Rússia montou postos de controle em Armyansk e Chongar, os dois principais cruzamentos rodoviários entre a Ucrânia continental e a península da Crimeia.
Após a queda de Yanukovych, o Parlamento da Crimeia elegeu um primeiro-ministro pró-Rússia e votou pela separação da Ucrânia.
Em 18 de março, dois dias após a publicação dos resultados, Putin oficializou a invasão ao assinar um projeto de lei incorporando a Crimeia à Federação Russa
Entenda o caso
Silvana Pilipenko, de 54 anos, havia falado pela última vez com a família no dia 3 de março, quando disse que a cidade estava começando a ser atacada e sofria com quedas de energia. No dia anterior, um vídeo com notícias foi enviado à família (veja abaixo).
No vídeo, a paraibana disse que a cidade de Mariupol estava cercada e, por isso, não havia como sair de lá.
“A cidade está cercada pelas forças armadas, todas as saídas estão minadas, então é impossível tentar sair daqui nesse momento. Basicamente Mariupol faz fronteira com o país atacante, então não podemos seguir nessa direção. Se fôssemos para outra direção, no sentido Polônia ou Hungria, teríamos que atravessar todo território, o que não seria viável diante das circunstâncias e da distância”, explicou.
Ela também alertou que a comunicação poderia ser dificultada pela falta de energia elétrica.