Em decisão inédita, STJ permite cultivo de maconha para uso medicinal

Na prática, a decisão autoriza que a conduta não seja enquadrada como crime e que o grupo não sofra responsabilização pelo poder público.

Por unanimidade, ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiram a três pessoas o plantio de maconha para fins medicinais.

A decisão é inédita no tribunal. Nesta terça-feira (14), os ministros analisaram recursos de pacientes e familiares que fazem uso do medicamento e que queriam fazer o plantio sem o risco de serem enquadradas na Lei de Drogas e punidas por isso.

Na prática, a decisão autoriza que a conduta não seja enquadrada como crime e que o grupo não sofra responsabilização pelo poder público.

O julgamento da Sexta Turma vale para os casos específicos dos três recorrentes, mas o entendimento, apesar de não vinculante, pode orientar decisões em processos em instâncias inferiores que discutem o mesmo tema.

Na sessão, o subprocurador-geral da República José Elaeres Marques afirmou que a conduta de cultivar a cannabis para pacientes com doenças graves não pode ser considerada crime, já que incide a excludente de ilicitude conhecida como estado de necessidade.

“Não obstante a possibilidade de importar e conseguir o produto via associações, o preço ainda se revela fator determinante e impeditivo para a continuidade do tratamento em vários casos. Em razão disso, diversas famílias, em busca de uma alternativa viável, têm trilhado o caminho do Judiciário, postulando por meio de habeas corpus salvo conduto para cultivar e extrair em casa o extrato medicinal de cannabis sem o risco de serem presas e frequentando também cursos de cultivo e oficinas de extração promovidos pelas associações”.

O ministro Rogério Schietti, relator de um dos processos, afirmou que a questão envolve “saúde pública” e “dignidade da pessoa humana”. Ele criticou a forma de condução do tema por órgãos do Poder Executivo.

“Hoje ainda temos uma negativa do Estado brasileiro, quer pela Anvisa, quer pelo Ministério da Saúde, em regulamentar essa questão. Nos autos transcrevemos decisões dos órgãos mencionados, Anvisa e Ministério da Saúde. A Anvisa transferindo ao Ministério da Saúde essa responsabilidade, o Ministério da Saúde eximindo-se, dizendo que é da Anvisa. E assim milhares de famílias brasileiras ficam à mercê da omissão, inércia e desprezo estatal por algo que, repito, implica a saúde e bem-estar de muitos brasileiros, a maioria incapacitados de custear a importação dessa medicação”, argumentou.

Schietti fez um apelo para que todos os agentes do Poder Público que podem atuar nessa temática cumpram um “dever cívico e civilizatório” de, se não regulamentar, definir a questão “em termos legislativos”.

O ministro citou ainda o que considera “discurso moralista, que muitas vezes tem cunho religioso, baseado em dogmas, baseado em falsas verdades, baseado em estigmas”.

“Porque quando se fala maconha, parece que tudo que há de pior advém dessa palavra, quando é uma planta medicinal como qualquer outra. Se possui alguns malefícios, produz muitos benefícios. Paremos com preconceito, com esse moralismo que atrasa o desenvolvimento do tema no âmbito do Poder Legislativo e obnubila o pensamento de juízes brasileiros”, disse Schietti.

O ministro Sebastião Reis, relator do outro recurso, ponderou que o “silêncio não pode mais ocorrer” e que é preciso “enfrentar essa questão”.

“Como o ministro Rogério falou, simplesmente tachar de maldita uma planta porque há preconceito contra ela, sem um cuidado maior em se verificar os benefícios que seu uso pode trazer, é de uma irresponsabilidade total”, disse Reis.

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