A escalada da violência nos atos antidemocráticos liderados por bolsonaristas fez desmoronar o discurso público do presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seus aliados, que destacavam as manifestações como ordeiras e pacíficas e buscavam associar protestos violentos a grupos de esquerda.
Os responsáveis poderão ser punidos na Justiça com base na Lei Antiterrorismo, legislação que os próprios bolsonaristas tentaram endurecer visando punir manifestantes de esquerda.
Desde a sua derrota nas urnas em 30 de outubro para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro fez apenas dois discursos públicos Nas duas ocasiões, ele não condenou a pauta golpista de seus aliados, mas criticou os métodos que incluíam o fechamento de rodovias.
Em 1º de novembro, quando ao menos 230 trechos de rodovias do país estavam bloqueados, ele classificou as manifestações como resultado da “indignação e sentimento de injustiça” sobre a forma como se deu o processo eleitoral.
“As movimentações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser o da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônios e cerceamento do direito de ir e vir”, afirmou Bolsonaro na ocasião.
Desde então, contudo, as franjas mais radicais do bolsonarismo não só não deixaram as ruas como dobraram a aposta na violência, com destaque para os estados de Santa Catarina, Mato Grosso e Rondônia.
Em Rondônia, manifestantes destruíram uma adutora com uma escavadeira e deixaram parte da população da cidade de Ariquemes sem abastecimento de água. O governador Coronel Marcos Rocha (União Brasil) pediu apoio da Força Nacional e o Ministério Público instaurou um procedimento de investigação criminal.
Responsável pelo caso, o promotor Tiago Cadore avalia o ato como um possível crime de terrorismo. Argumenta que o caso pode ser enquadrado desta forma por sabotar o funcionamento de serviço público essencial à população.
A Lei Antiterrorismo foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela então presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016 na esteira das Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Desde então, foram apresentados ao menos 36 projetos para endurecer a lei, aponta levantamento do Demodê (Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades), vinculado ao Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Em sua maioria, são propostas de deputados bolsonaristas que miram ações de movimentos sociais organizados como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). As propostas de mudança não prosperaram, mas especialistas dizem que há brechas.
“Apesar da salvaguarda aos movimentos sociais democráticos, a lei que pode cair no fator subjetivo. No limite, o que vai definir o seu uso é o posicionamento político de promotores e juízes”, explica o cientista político Thiago Trindade, professor da UnB (Universidade de Brasília).
Ele é contra a existência de uma Lei Antiterrorismo e seu uso mesmo contra movimentos antidemocráticos. O arcabouço legal do país, para Trindade, já dá conta de casos como estes sem precisar de um instrumento legal específico.
Autor de um dos projetos que visa endurecer a Lei Antiterrorismo, o senador gaúcho Lasier Martins (Podemos) nega a intenção de criminalizar movimentos sociais. O projeto de sua autoria restabelece trechos da lei vetados por Dilma.
Hoje, o senador enfatiza que o contexto político é diferente de 2020, quando o projeto foi debatido pela última vez na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e teve relatório favorável do bolsonarista Magno Malta (PL).