A expressiva derrota do governo federal na Câmara dos Deputados, com a derrubada de decretos sobre o IOF por 383 votos a 98, aprofundou a crise entre o Palácio do Planalto e o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), e expôs o descontentamento de partidos aliados com a condução política da gestão Lula (PT).
Parlamentares citam como motivos da insatisfação o atraso na liberação de emendas, uma suposta aliança entre governo e STF contra o Congresso, e a narrativa do Executivo de que o Legislativo seria o responsável por aumentos na conta de luz. A votação, realizada na noite da última quarta-feira (25), contou com apoio maciço de siglas que controlam 14 ministérios, como União Brasil, PP, Republicanos, MDB, PSD, PDT e PSB.
A condução de Hugo Motta na votação foi alvo de críticas até de parlamentares governistas. O presidente da Câmara anunciou a votação nas redes sociais às 23h35 da véspera, sem informar previamente líderes partidários, a ministra da Articulação Política, Gleisi Hoffmann, nem o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O gesto surpreendeu inclusive setores da oposição e foi interpretado como uma quebra de confiança.
Mesmo com a liberação recorde de R$ 1,72 bilhão em emendas na terça-feira (24), o centrão afirma que o cronograma está atrasado e que prefeituras estão à beira do colapso financeiro. Pela primeira vez desde sua eleição, governistas criticaram publicamente Motta, acusando-o de “erro grave” e “provocação infantil”, nas palavras do líder do PT, Lindbergh Farias (RJ).
Há também suspeitas de influência do senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro de Bolsonaro, sobre as ações de Motta. O presidente da Câmara teria confidenciado a aliados que o governo deseja enfraquecer o Congresso, promovendo uma narrativa de que o Legislativo é responsável pelos gastos públicos.
Outra fonte de tensão é o julgamento que o ministro do STF, Flávio Dino, pretende realizar sobre a obrigatoriedade das emendas parlamentares. Dino convocou audiência pública para esta sexta-feira (27) e incluiu nomes com visões críticas ao atual modelo. Em resposta, Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), irão pessoalmente ao Supremo defender a manutenção do sistema.
A crise ainda envolve a queda de vetos presidenciais a dispositivos que, segundo o governo, poderiam elevar a conta de luz em até R$ 65 bilhões por ano. Alcolumbre repudiou os ataques que o Congresso tem sofrido após essas decisões e classificou o discurso governista como “demagógico e desinformado”.
A votação simbólica no Senado que também derrubou os decretos de Lula sobre o IOF, imediatamente após a aprovação na Câmara, evidenciou que a crise entre Planalto e Congresso se aprofundou — e que a lua de mel entre Executivo e Legislativo pode ter chegado ao fim.