Como Francisco nomeia seus cardeais e vai levando a Igreja rumo às periferias

Dentre os purpurados que assumem, nove são eleitores em um eventual conclave - ou seja, têm menos de 80 anos. As vozes da periferia seguem bem representadas.

Com os 13 novos cardeais anunciados pelo papa Francisco no domingo passado – que serão empossados no consistório marcado para 28 de novembro -, consolida-se na cúpula da Igreja Católica uma tríade que se torna marca deste pontificado: descentralização, rejuvenescimento e pluralidade.

Dentre os purpurados que assumem, nove são eleitores em um eventual conclave – ou seja, têm menos de 80 anos. As vozes da periferia seguem bem representadas. Torna-se cardeal o bispo Cornelius Sim, o único de Brunei, país muçulmano onde a evangelização cristã é proibida. Também recebem o barrete cardinalício o arcebispo Antoine Kambanda, sobrevivente do genocídio de Ruanda – praticamente toda a família morreu no massacre de 1994 – e o arcebispo filipino José Advincula.

“Um cardeal viaja várias vezes em sua vida a Roma – pelo menos uma vez por ano. Ao nomear o bispo Cornelius Sim cardeal, administrador apostólico de uma diocese com apenas três padres em Brunei, uma monarquia muçulmana, o papa torna essa realidade ‘periférica’ da Igreja ainda mais presente no Vaticano”, afirma ao Estado a vaticanista argentina Inés San Martín, diretora do escritório romano da Crux Catholic Media. Para ela, isso proporcionará ao Vaticano uma “experiência muito diferente” se comparada com a trazida pelos purpurados de um país onde católicos são maioria.

Americanos

Altamente simbólicas foram as indicações de dois arcebispos de grandes dioceses do continente americano. Ex-presidente da conferência episcopal dos Estados Unidos, o arcebispo de Washington, Wilton Gregory, será o primeiro negro americano cardeal – em um momento em que o país vive onde de protestos raciais (mais informações nesta página). Olhando para um Chile também tomado por manifestações e vandalização de igrejas, Francisco tornará purpurado o espanhol Celestino Aós Braco, arcebispo de Santiago.

Para o vaticanista italiano Andrea Gagliarducci, o nome de Braco “foi uma escolha quase óbvia”, já que a Igreja chilena “passa por forte mudança após o escândalo de abusos” e “precisa de um cardeal, um guia”. No caso do norte-americano, Gagliarducci acredita que “não é o fato de ele pertencer ao Black Lives Matter que conta, mas sim o desejo do papa de “mudar o perfil dos cardeais americanos”. O vaticanista entende que o recado é que a Igreja busca, no episcopado dos Estados Unidos “não guerreiros culturais, mas construtores de pontes, mesmo em questões candentes como as de vida e gênero”.

Europeus. Este é o primeiro papado em que os europeus não compõem a maioria do colégio cardinalício. Em 1903, no primeiro conclave do século 20, 98,4% dos cardeais eram originários da Europa. No entanto, essa cifra chegou a 42,9% no consistório do ano passado e cairá para 42,2% a partir do dia 28, considerando os cardeais eleitores. Quando o argentino Jorge Mario Bergoglio se tornou papa Francisco, em 2013, a Europa detinha 60,9% do colégio.

“A geopolítica de Francisco é pautada pelas periferias. Vemos isso nas suas viagens, nas pautas que defende e nas nomeações, tanto de cardeais quanto de bispos”, comenta ao Estadão a vaticanista Mirticeli Medeiros, pesquisadora de História do Catolicismo na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. “Foi a lugares que jamais tinham sido visitados por um papa ou onde os cristãos são minoria, como Mianmar, Bangladesh, Tailândia e Emirados Árabes. Escolhe cardeais de países que nunca sonharam em ter um.”

“O papa Francisco pensa de forma poliédrica. Ou seja, várias facetas para compor o cenário multilateral da Igreja e do colégio de cardeais. Todos precisam ouvir a todos para realizar a sinfonia”, afirma o teólogo e filósofo Fernando Altemeyer Junior, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Tornou-se comum no pontificado atual a nomeação de cardeais já com mais de 80 anos. É o caso de quatro dos nomes anunciados no último domingo. Francisco costuma fazer isso como forma de reconhecimento. “Em muitos casos, a trajetória pastoral da pessoa, bem como o povo sofrido que ela representa, pesam muito mais do que o currículo acadêmico na hora da escolha”, diz Mirticeli.

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