Mulheres lideram resistência no Porto do Capim, em João Pessoa: ‘Ribeirinhos não querem uma gaiola’

Devido às propostas de intervenção na comunidade Porto do Capim, em João Pessoa, 10 mulheres da comunidade se uniram na Associação de Mulheres Moradoras do Porto do Capim. Juntas, elas assumiram a resistência, em defesa da permanência do povo ribeirinho em seu local de origem.

O Porto do Capim é dividido nas áreas da Vila Nassau, Praça XV, Ruas Porto do Capim e Frei Vital, e fica no bairro do Varadouro, na capital paraibana. Os planos de intervenção da prefeitura na área iniciaram 2009, com alguns obstáculos. Na prática, só em 2019, com a apresentação do projeto do Parque Sanhauá e o início das obras na Vila Nassau, com a retirada de famílias do local, foi iniciada a intervenção.

Em defesa de moradia do povo tradicional, foi criado o Porto do Capim em Ação, em 2010. Fruto dessa organização de moradores, surgiu a Associação de Mulheres Moradoras do Porto do Capim, atualmente formado por ribeirinhas.

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Odaci e Rayssa participam da Associação de Mulheres do Porto do Capim, em João Pessoa — Foto: Luana Almeida/G1

Odaci e Nice Oliveira, mãe e filha, Rayssa e Rossana Holanda, irmãs gêmeas, e Adriana Lima são algumas das participantes da associação.

As diferentes gerações presentes na associação representam as diferentes gerações da comunidade que foi composta há mais de 70 anos, por sete famílias iniciais. Atualmente, há mais de 500 famílias na comunidade, muitas dessas ligadas pelo sangue.

Odaci, de 61 anos, vive há 56 anos na comunidade. No Porto do Capim foi criada, constituiu família e ganhou seu sustento como comerciante. Mãe de três filhos e avó de cinco netos, Odaci esperar manter a comunidade até a vinda dos bisnetos.

 

“Aqui me fiz uma jovem, tive filhos e agora netos. Três filhos e cinco netos, todos vivem na comunidade e aqui vou aguardar meus bisnetos, em nome de Jesus, porque a comunidade vai permanecer aqui, porque acredito em Deus, confio em Deus e confio na lei. A lei tem que nos proteger e tem que dar o direito que é nosso", diz.

 

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Odaci tem 61 anos e vive há 56 no Porto do Capim, em João Pessoa — Foto: Luana Almeida/G1

Odaci estava presente quando houve a retirada de moradores da Vila Nassau. A prefeitura pediu a retirada dos moradores da área em março, mas a demolição das casas aconteceu no dia 30 de maio, depois de protestos.

 

“Foi muito difícil a maneira deles chegarem aqui e a gente acordar, 7 e pouca da manhã, a rua taí completa de segurança da prefeitura, guarda municipal, tudo armado, parecia que ia para uma guerra, tudo com as ferramentas nas costas. E o pessoal apressado tirando as coisas das casas – os que aceitaram – e eles rapidamente instantaneamente batendo com as marretas”, conta Odaci.

As mulheres da associação alegam que aqueles que aceitaram o acordo da prefeitura, do auxílio-aluguel e posteriormente apartamento na comunidade Saturnino de Brito, não são ribeirinhos e foram morar na comunidade já com intenção de adquirir algum benefício habitacional.

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Escombros da Vila Nassau, após remoção de moradores e demolição das casas, em João Pessoa — Foto: Luana Almeida/G1

A ligação dos filhos do porto, como são chamados os ribeirinhos do Porto do Capim, é além da questão habitacional. Segundo a Associação, eles se tratam de um povo tradicional, reconhecidos pelo Ministério Público Federal.

Segundo Rayssa, a sua família, a Holanda, está presente no Porto do Capim há cinco gerações. Os primeiros Holanda da área foram o avô Pedro e a avó Preta, vindos de ilhas do percurso do Rio Paraíba para morar em terra firme no porto após a chegada de empresas para a criação do porto da cidade – projeto abandonado e direcionado à cidade de Cabedelo.

 

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Estrutura do Porto e escombros da Vila Nassau estão no manguezal do Porto do Capim, em João Pessoa — Foto: Luana Almeida/G1

Do rio, os moradores tiram seu alimento, sua diversão, criam e reforçam os laços entre os vizinhos, os animais e as entidades que protegem o manguezal. Com a fé no Pai do Mangue e na Mãe Maré, que proporcionam e abençoam os frutos do rio, e a proteção de Cumade Fulozinha a flora da área, os filhos do porto aguardam o diálogo com a prefeitura, que alega insalubridade na comunidade.

"Não é porque a gente quer aparecer, quer dinheiro que caia dos céus. A gente quer nossos direitos, é direito de uma comunidade tradicional e ribeirinha permanecer no seu local de origem. A natureza não nos expulsa, o Pai do Mangue não nos expulsa, todo dia ele nos dá nosso alimento, a Cumade Fulozinha abençoa nosso pão”, conta Nice, ribeirinha de 37 anos.

 

"A prefeitura vem dizendo que esse lugar é insalubre, aqui não é insalubre. A doença que tem aqui, a insalubridade que tem aqui, é esse rio poluído pela sociedade. Nossa vontade é que nosso saneamento básico seja feito, que nossos direitos sejam garantidos. A gente quer morar a beira do rio, com nossos direitos garantidos. Os ribeirinhos não querem uma gaiola", destaca.

 

 

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Nice é ribeirinha e mora no Porto do Capim, em João Pessoa, há 37 anos — Foto: Luana Almeida/G1

Entre os problemas enfrentados pela comunidade, um é a falta de diálogo com a prefeitura. Segundo a associação, o projeto foi construído sem a participação dos moradores, por isso a necessidade da organização.

“A gente viu a necessidade de se tornar uma instituição com CNPJ, para ter o reconhecimento e o respeito das instituições estatais, porém não é bem assim que acontece, não é assim que funciona. O estado faz questão de negar a legitimidade uma associação de mulheres, todas moradoras do Porto do Capim e reivindicando seus direitos”, declara Rossana.

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A associação é formada por 10 mulheres moradoras do Porto do Capim, em João Pessoa — Foto: Luana Almeida/G1

Por ser uma associação de mulheres, o preconceito de gênero também se fez presente na luta das moradoras do Porto do Capim pelo seu território. Segundo Adriana Lima, que vive há mais de 30 anos no porto, pessoas de fora vieram a comunidade e tentaram formar uma nova associação.

“Surgiu uma nova associação por achar que a gente é incapaz, porque somos uma associação de mulheres. acham que tratamos apenas de direitos de mulheres. E a gente deixou bem claro que lutaria pelo direito de todos".

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Adriana vive há 32 anos no Porto do Capim, em João Pessoa — Foto: Luana Almeida/G1

 

“A associação de mulheres se compôs justamente para dar voz para essas mulheres que aqui estão em volta, e não é fácil cuidar das cobranças que a nós já são destinadas, uma cobrança social de cuidar dos filhos, de casar, de casar e ter filhos, de administrar o fogão, de administrar a família, de obediência. A gente tá falando, sim, que a gente dá conta disso e ainda vai para luta. Lutar não só por nossos interesses e de nossa família, mas por nossa comunidade e uma sociedade igualitária”, diz Rossana.

 

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Rossana vive há 28 anos no Porto do Capim, em João Pessoa — Foto: Luana Almeida/G1

Rayssa e Rossana, irmãs gêmeas de 28 anos, nasceram e vivem até hoje no porto. Criadas por uma mãe solteira, as estudantes representam uma geração consciente da importância da sua comunidade e estão à frente das atividades da associação.

A posição ocupada por essas mulheres, de luta por direitos garantidos a uma comunidade tradicional e ribeirinha, enfrentando o preconceito e a ameaça de uma remoção em defesa de seu povo não é fácil, segundo elas mesmas.

 

‘A gente faz até uma crítica a alguns momentos e algumas ondas que falam muito da questão da resistência. A resistência é isso enquanto hashtag, a resistência é isso na rede social, a resistência enquanto isso falada. Mas a resistência, de fato, em uma comunidade que tá sofrendo o tempo inteiro, sendo bombardeada, que vai dormir e acorda com a ameaça de uma remoção, com a ameaça dos seus direitos violados, isso não é fácil. Então vamos parar de romantizar a resistência, a resistência é muito dura, a resistência na prática é muito forte para gente e a gente faz esse apelo não só internamente mas externamente: que essa resistência seja na prática, pouco falada mas muito praticada”, conta Rossana.

 

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Gerlane e seu filho, ribeirinhos moradores do Porto do Capim, em João Pessoa — Foto: Luana Almeida/G1

Sobre o projeto, a associação já possui uma proposta feita em conjunto com outras organizações, incluindo a Universidade Federal da Paraíba. Há na comunidade também um grupo com turismo de base comunitária, ‘Garças do Sanhauá’, formado pelos jovens do Porto do Capim.

“A gente quer que nossa proposta seja ouvida pela gestão. Uma proposta que mantém a comunidade no seu território e que também abre espaços que possibilitam que a cidade, o mundo, possa conhecer o Porto do Capim, o rio, sem ignorar o cotidiano dos moradores. A gente prevê moradia e um espaço de capacitação em prédios históricos que estão abandonados. A gente também prevê a implantação de um parque ecológico, com o mínimo de impacto com o concreto, respeitando o manguezal e também a implantação de cooperativas que fomentem a economia local. É importante que esses elementos, cultura, turismo e economia local, sejam agregados de forma conjunta para potencializar resistência do Porto do Capim”, conta Rayssa.

Até agora, apenas primeira etapa do projeto foi entregue, na área da Praça XV. Uma decisão da Justiça Federal suspendeu as obras da segunda etapa e marcou uma audiência para o dia 10 de março.

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Porto do Capim, em João Pessoa — Foto: Luana Almeida/G1

 

O que diz a Prefeitura

 

A secretária de Planejamento da Prefeitura de João Pessoa, Daniella Bandeira, afirmou que as intervenções que estão sendo feitas são na comunidade Vila Nassau, região entre a Avenida João Suassuna e a ponte que ligava João Pessoa a Bayeux. Para a Prefeitura, essa região não é considerada como integrante do Porto do Capim.

Ela afirmou que houve diálogo com a comunidade, por cinco anos, para implantar o projeto de melhoria da estrutura urbana na Vila Nassau.

“A Defesa Civil classificou como área de risco, sujeita a alagamento. O terreno não apresenta condições para edificações, não é forte o suficiente para resistir às ações do tempo e do rio. O solo é razoavelmente mole, por ser na margem do rio, no mangue. Alguns moram no galpão da antiga fábrica de cimento Nassau, um galpão industrial, não tem condições de habitação”, afirma.

Daniella também declarou que as habitações que existem ali são fruto de ocupações de um espaço da União e, por isso, a área deveria ser requalificada para ser usada pela comunidade em geral. Para a gestão municipal, o objetivo era requalificar a área levando em consideração os fatores ambientais, históricos e econômicos.

“Decidimos criar um projeto de permita que o mangue se restabeleça. Porque a convivência com o mangue fez com que ele recuasse em direção ao rio. Também propôr um resgate histórico porque aquela área conta muito a história de João Pessoa, o nascedouro de João Pessoa, como se formou. E ali é uma região muito rica, então decidimos levar um polo de desenvolvimento. Com o turismo, toda a região do Varadouro vai atrair pessoas que moram em João Pessoa e visitantes”, pontua.

A secretária argumentou que houve diálogo com a comunidade por cinco anos para oferecer alternativas de habitação, considerando que a Vila Nassau é inapropriada para moradia. A partir disso, foi construído o condomínio residencial Saturnino de Brito, que, segundo a Prefeitura, fica a 1,5km da Vila Nassau, e apartamentos foram oferecidos aos moradores.

Segundo Daniella, 64 moradores aceitaram sair de lá, a maioria para o Saturnino de Brito. Com autorização dos moradores que saíram, as casas deles foram demolidas, para evitar novas ocupações. “Não houve demolição com família dentro, não houve saída involuntária”, diz.

A secretária ainda explicou que a comunidade não é considerada tradicional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e, por isso, não pode tratar a população de lá diferente de outras em situação de vulnerabilidade em relação a moradia. Ela argumenta que o MPF, que considera a comunidade como tradicional, é parte interessada no processo.

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